terça-feira, 5 de julho de 2016

A Prisão: como ser feliz com nossas possibilidades e limitações?

Imagine que você foi condenado à prisão perpétua, tendo que passar o resto da vida sozinho em uma sala fechada. Em uma das paredes há uma janela pequena, mas não há nada de interessante na paisagem. Além disso, há duas portas: uma delas leva a um banheiro apertado e sujo; a outra está sempre fechada, mas é por um espaço ali que alguém lhe coloca comida, água, ou o que for muito necessário. Você não receberá visitas, e ninguém conversará com você. Enfim, imagine um lugar assim, com apenas o mínimo necessário à sua sobrevivência.

Blog Psicologia da Felicidade: A prisão
Imagem de Jan Marczuk por Pixabay

Contudo, imagine que alguém tenha lhe dado apenas uma regalia: livros. Uma estante é colocada em sua cela, e um local para ler. Você terá acesso à um catálogo digital, pelo qual poderá solicitar qualquer outro livro que lhe interessar. Sob essas condições, eu lhe pergunto: como você passará os próximos anos de sua vida (até morrer)?

Vamos analisar as possibilidades. Passar a vida lendo parece ser uma opção óbvia, mas não a única, pois existem outras. Você também poderia fazer exercícios físicos, ou poderia se deitar e dormir a maior parte do tempo. Você também poderia fazer castelos de livros, ou poderia rasgar páginas e fazer origamis. Você poderia cantar, dançar, refletir ou filosofar. E também poderia tirar a própria vida, caso nada lhe agradasse.

No entanto, certo é que você não poderá tocar violão, porque você não tem um violão. E também não poderá surfar no mar, porque você não está no mar. Enfim, algumas coisas você tem, outras, não. Além dessa limitação de possibilidades, você sabe que não durará mais do que qualquer ser humano dura, e calcula mais uns 50 anos pela frente.

Apesar de lhe ser dito para pensar que você passaria o resto da sua vida trancafiado nesta sala, se você estivesse lá, não teria certeza do futuro. E isso lhe faria acreditar na remota esperança de um dia sair de lá. Você não seria humano se não pensasse assim, não é verdade? Sim, e isso também abrange a proposta inicial de você se imaginar nessa situação, já que você é um ser humano.

Agora, considerando tudo isso, quero que você me responda: você conseguiria ser feliz? Enfim, seja lá o que você pense como resposta, gostaria de informar-lhe que, infelizmente, a vida que você tem neste momento não difere essencialmente da que eu te pedi para imaginar. Parece uma ideia pessimista, e não deixa de ser. Mas é real, e sobre o real é o que importa agora refletirmos.

Paralelamente, então, quais as possibilidades que lhe foram dadas para viver? Sobre isso, pergunte-se assim: Você nasceu em uma família com qual poder aquisitivo? Que criação você teve? Que pessoas criaram-lhe? Em que cidade você nasceu? Que brinquedos seus pais puderam-lhe dar? Em que escolas você estudou? O quão favorável foi-lhe a genética? Todos esses fatores, entre outros, explicam muito sobre quem você se tornou.

A reflexão, até aqui, leva-nos para a antiga discussão sobre o livre-arbítrio. Sobre isso, já tratei em outras teorias, não é o objetivo aqui. De qualquer forma, pode-se chegar à ideia de que pelo menos boa parte do que você se tornou é consequência de fatores externos, independentes de sua vontade. Ou seja, se podemos fazer escolhas, ou se as escolhas feitas já estavam tomadas pelo desencadeamento natural de causas e consequências, deixando-nos apenas com a ilusão de que a tomamos, não importa discutir neste momento. Fato parece ser que temos limites externos a nossa vontade, como se estivéssemos em uma prisão.

Da mesma forma, parece óbvio que escolheremos realizar as atividades que nos colocam como possíveis. No caso imaginado, para você, que provavelmente gosta de ler, pareceu óbvia a tendência a escolher passar o tempo lendo, livro após livro. Isso se dá pela tendência que temos de fazer aquilo que nos dá prazer. E nada da proposta pareceu dar mais prazer do que a leitura. Contudo, se, além dos livros, fosse-lhe ofertada a possibilidade de jogar videogames, sendo-lhe ofertados todos os jogos possíveis, por catálogo, aposto como muitas pessoas tornar-se-iam jogadores compulsivos ao longo do tempo. Mesmo quem não costume jogar atualmente, com certeza experimentará, entre uma leitura e outra. Experimentando, jogará mais progressivamente. Difícil competir.

Isso é semelhante ao uso de drogas. Imagine se, ao invés dos jogos, fosse cerveja, de todos os tipos possíveis. Qual a probabilidade de você se tornar um alcoolista? A vida é assim. Precisamos ter boas opções na vida. Os que não as possuem, apresentam maior propensão aos vícios. E, quando digo "vícios", aqui, refiro-me a tudo o que gera prazer de forma imediata, não apenas a drogas. E pior: se a sua vida não fizer sentido, por que os vícios seriam ruins? Talvez, nesse caso, eles sirvam justamente para que nos seja menos doloroso sobreviver. Por isso a importância em se refletir e encontrar um sentido, um rumo. Sabendo para onde vai, fica mais fácil discernir o bom do ruim.

Tem uma passagem de Alice no País das Maravilhas que trata disso. Alice está perdida, há vários caminhos possíveis. Então, ela encontra o gato, e pergunta-lhe "para onde leva este caminho?" E o gato pergunta "para onde você quer ir?" Alice responde "não sei, estou perdida". E o gato, "se você não sabe para onde quer ir, qualquer caminho serve". Ou seja, a mesma ideia ressaltada aqui, sobre a importância de se encontrar um rumo na vida. A capacidade de vislumbrarmos o futuro torna-nos mais eficientes na busca pelo que queremos, seja o que for.

Enfim, sua vida é uma prisão, mas uma prisão maior e com mais possibilidades do que aquela. Dentro das possibilidades, você escolhe o que fazer, seja esse poder de escolha real ou ilusório. Além disso, parece que há outras pessoas convivendo no presídio, então, nossas escolhas podem afetar uns aos outros. Os mais individualistas chamarão a prisão de "vida", acreditando que os outros fazem parte de suas possibilidades. Suas vidas, assim, tem menos sentido do que a daqueles que acreditam não estar sozinhos. Há coisas que nunca saberemos mesmo. Assim, também nossas convicções tornam-se possibilidades. Umas ou outras nos farão sentir melhor ou pior. A escolha também é sua.